Lembro de que sempre gostei de ler, mesmo quando eu ainda
não sabia ler. Pedia ao meu pai que lesse uma história de gibi para mim, antes
de dormir. E ele sempre fazia isso com efeitos sonoros, onomatopeias e tal. Era
o momento mais esperado do dia. E quando eu finalmente aprendi a ler, do alto
dos meus seis anos, parece que um mundo se abriu para mim. E eu nem sabia o que
era inglês ou globalização.
Quando eu lia, fosse um livro, um gibi ou tirinhas no
jornal, me parecia que eu podia viver várias vidas em uma só. Podia ser outra
pessoa, mesmo que continuasse fisicamente a ser a mesma. Podia ter outros
nomes, falar outros idiomas, morar em outros lugares, ter outras famílias e até
amores – sem nem saber direito o que raio eram amores. E tudo isso sem sair de
mim ou daquela vida que eu nem sabia como era ou no que ia dar.
Ao longo dos anos, li incontáveis livros, sobre zilhares de
histórias, cenários e personagens. De uma forma ou de outra, sempre me
identifiquei com algum deles e aquele jeito de ser passava a compor minha
personalidade. Depois de algum tempo, me dei conta de que, na verdade, são os
livros que nos escolhem. É impressionante como um livro cai em minha mão, de
forma completamente inesperada, e vem ao encontro do momento que estou vivendo.
É como se eles abraçassem meus ombros e me dissessem: “seja o que for, vai
ficar tudo bem”.
Todas as vezes que sou escolhida por um livro, algo de muito
importante está se passando em minha vida. É quando, mais uma vez, tenho a
oportunidade de sair de mim e buscar o desconhecido. Atravessar um rio de
outras vidas, saborear um pouco de cada uma delas, flertar com o escuro e
retornar com a certeza de que não adianta: por mais que eu conheça e reconheça
outras vidas tão interessantes ou bacanas, sou eu mesma quem eu quero ser para
o resto dos meus dias.
No lugar certo
Ao me deparar com essa certeza, uma enorme curiosidade me é
despertada. Sim, porque passei as últimas três décadas da minha vida me
desculpando por existir. Desculpando-me por ser quem eu sou, por me sentir como
me sinto, por pensar o que penso e por me expressar do jeito que me expresso. De
alguma forma, sempre achei que a culpa fosse minha. Que eu havia perdido o
timing das coisas, que eu que não era boa o suficiente, que aquele trabalho,
aquela condição ou aquela pessoa era demais para mim.
Eu não sei por que me sentia assim e porque achava que era
eu a culpada por tudo. O ponto é que hoje, quando deito a cabeça no
travesseiro, tenho comigo a consciência e a leveza no coração de que eu fiz
tudo o que eu podia fazer até aquele momento. De que fui a melhor pessoa para
mim e para o meu entorno, sobre tudo que me foi possível. Tenho o sentimento de
que valho muito a pena e de que sou sim um misto de sensações, emoções, pensamentos,
ações e realizações. E porque sou humana, simples assim.
Mas o que livros têm a ver com isso? Bem, posso dizer que,
de verdade, chegar a essa consciência, a esse nível de autoconhecimento só me
foi possível por que muitos livros foram digeridos ao longo do tempo, e que me
foram fundamentais para perceber que cada coisa tem o seu lugar, inclusive os
sentimentos. Além dos livros, também a espiritualidade, a terapia, a busca
incansável pela evolução. Sim, porque a verdade é que eu mesma sou livro por
essência; sou longa, profunda, com narrativa, discussões, fantasias,
acontecimentos, começo, meio e fim. Mas a hora da conclusão ainda não chegou.
Ponto e espera o próximo capítulo!
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